terça-feira, 5 de maio de 2009

Os Recursos Educacionais Abertos - REAs (do inglês Open Educacional Resources - OERs)


1. Introdução
No século XX, Ivan Illich preconizava o seguinte:
“A good educational system should have three purposes:
a) it should provide all who want to learn with access to available resources at anytime in their lives;
b) empower all who want to share what they know to find those who want to learn it from them;
c) furnish all who want to present an issue to the public with the opportunity to make their challenge known. (Illich I.,1970)
Esta abordagem proposta por Ivan Illich sobre a reforma do sistema educativo, era inovadora para a época. Todavia, os REA dão corpo na actualidade a esta proposta, pois constituem uma forma diferente de ver o Ensino/Aprendizagem e a Investigação, tornando-os acessíveis a uma vasta massa de cidadãos. Pelo seu próprio nome significam a abertura a todos, público em geral e aos Professores e Alunos em particular, do conhecimento de alto nível produzido e coligido principalmente em Instituições de referência (embora também o seja por particulares), através de sistemas de livre acesso ou abertos, permitindo a sua partilha, utilização e re-utilização.
Os REA fazem parte de um conceito mais abrangente ao nível do Ensino Superior que também engloba outros movimentos bem conhecidos como o Open Source Software (OSS) e o Open Access (OA).
Os REA ganharam uma atenção crescente desde o princípio do século XXI, em particular depois da experiência piloto e inovadora desenvolvida nesta área pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), com o seu Open Course Ware (OCW), apresentado em 2000 pela Comissão responsável por programas de Life Long Learning daquela instituição.
A filosofia que presidiu à formação deste curso foi muito simples: disponibilizar todo o conhecimento produzido numa instituição de excelência como o MIT, para os estudantes, professores e população em geral, em qualquer parte do mundo e de forma gratuita. Obviamente que uma instituição como o MIT ao abrir mão do conhecimento e com este pressuposto corria o risco de poder banalizar o Ensino/Aprendizagem/Investigação e divulgar aspectos que poderiam ser considerados fundamentais para a supremacia desta instituição no conjunto das instituições de Ensino Superior. No entanto, mais do que a divulgação dos Currículos e dos Conteúdos das várias Licenciaturas, o que tornou este movimento interessante foi a capacidade de maior interacção da instituição com os estudantes e vice-versa e dos estudantes entre si, potenciando a produção, discussão e difusão do conhecimento de forma exponencial. Ou seja, o MIT concluiu que o valor económico dos cursos para os estudantes não está nos seus conteúdos, mas sim nas interacções e acreditação entre a Faculdade e os estudantes.
O conceito tornou-se de tal forma importante, que a UNESCO definiu os REA da seguinte forma: “ O fornecimento de recursos educacionais de forma aberta, assegurado por tecnologias de informação e comunicação, para consulta, uso e adaptação por uma comunidade de utilizadores que o fazem com fins não comerciais”.
Os REA baseiam-se em dois princípios básicos:
a) O conhecimento mundial é um bem público em termos globaisb) A World Wide Web proporciona o meio ideal para qualquer pessoa partilhar, utilizar e re-utilizar este conhecimento.

Em conclusão, os dois aspectos mais importantes têm a ver com o facto de estar completamente disponível e sem custos na Internet e com o mínimo de restrições à sua utilização. Ou seja, não deverá ter barreiras técnicas (sem códigos de acesso), sem barreiras financeiras (subscrições, taxas de licenciamento, taxas de pay-per-view), e as menores barreiras possíveis de carácter legal para o utilizador final (direitos de autor e de licenciamento).

Hoje em dia há imensos exemplos de sistemas análogos, entre os quais podemos escolher o Merlot, Connexions e a Public Library of Science, com carácter mais institucional, embora cada vez seja mais comum aparecerem sites de conhecimento partilhado com maior pendor grupal ou associativo, tais como a Wikipédia, SCRIBD ou o SlideShare.

2. Potencialidades

Na perspectiva dos Professores ligados ao MIT OCW, a ideia era disseminar o conhecimento para ajudar o mundo, da mesma forma que os livros o fizeram antes. O objectivo principal dos REA será assim providenciar o acesso centralizado a materiais e tornar possíveis as condições que permitam a criação de novos REA a nível global e interdisciplinar.
Desde o aparecimento do MIT OCW já foram contabilizados para este REA cerca de 35 000 000 de utilizadores, de 220 países, com um total de 1800 cursos diferentes em 2008. Neste momento já estão traduzidos 600 cursos e são utilizados por 14 000 000 de estudantes nesses países. Na verdade, hoje em dia existe um Consórcio de OCW que congrega 100 Universidades em todo o mundo, o que é revelador do efeito bola de neve que esta ideia gerou.Quando fazemos uma pesquisa na Internet com a sigla OER encontramos 4 400 000 sites, a sigla REA mais de 300 000 sites, 12 000 dos quais já em Portugal. No caso particular da área de Medicina Veterinária, esta mesma pesquisa permite encontrar mais de 8 000 sites e no caso particular dos parasitas, os REA já contabilizam cerca de 246 000 entradas.
Estes números espelham bem o desenvolvimento destes sistemas de difusão do conhecimento e os REA ganharam atenção e muitos adeptos como forma de obviar as diferenças educacionais a nível demográfico, económico e geográfico, permitindo assegurar uma vasta quantidade de conteúdos a um público muito alargado, a custos muito baixos, características especialmente importantes em países pobres, subdesenvolvidos ou periféricos. Estes recursos tiveram assim a capacidade de se tornarem uma alternativa equitativa e acessível aos custos crescentes da Educação Superior, assim como à sua progressiva comercialização e privatização.
Para Professores e Alunos, este movimento significou o acesso efectivo a repositórios de conhecimento que doutra forma estariam inacessíveis, mas por outro lado permitiu também a criação de mais conhecimento ou o melhoramento daquele já pré-existente, a uma escala exponencial. A emergência dos REA começou a abrir caminhos novos para Professores e Estudantes, ao seleccionarem e aumentarem recursos de aprendizagem que vão ao encontro das suas necessidades específicas de Ensino e Aprendizagem. Como estes recursos educativos estão cada vez mais disseminados, com custos baixos ou sem custos, o seu impacto é potencialmente elevado nos próximos anos para formandos, educadores e as próprias instituições de ensino.

3. Oportunidades

As instituições têm aqui a possibilidade de disponibilizar qualquer conteúdo para ser usado ou visualizado por outrem. Como os materiais estão disponíveis online, os educadores podem estabelecer links e incorporar simulações, vídeos, aulas teóricas e qualquer tipo de material utilizado em actividades de aprendizagem. Dependendo das licenças de cada REA, os professores e os estudantes podem incorporar, rever, melhorar e ampliar recursos.

As Instituições com grandes iniciativas na área dos REAs (tais como o MIT, Open University, Open Yale, Connexions), gerem muita publicidade à sua volta devido a estes cursos/recursos, mas o que é um facto é que potenciam também a colaboração no desenvolvimento de conteúdos ao nível de sites específicos não institucionais, como é o caso do Wiki Educator.

Em termos de oportunidades globais dos REA, podemos considerar as seguintes:
- Elaboração/desenvolvimento de recursos de aprendizagem: Cursos/Unidades curriculares completas, conteúdos em módulos, objectos para aprendizagem, ferramentas de apoio e acesso para estudantes, comunidades de aprendizagem online.
- Elaboração/desenvolvimento de Recursos para apoio aos Professores: ferramentas e matérias de apoio para Professores que lhes permitam criar, adaptar e usar os REA, bem como materiais de treino e outras ferramentas de Ensino.
- Produção de recursos que assegurem a qualidade da educação e das práticas educativas.

Em termos específicos podemos ver que os REA têm numerosas oportunidades para o Ensino e Aprendizagem:
- Inserção de vídeos, aulas teóricas/teórico-práticas e outros materiais em cursos pré-existentes
- Desenho de actividades de aprendizagem em torno de recursos pré-existentes em sites públicos como o Wiki Educator
- Produzir recursos informáticos completamente gratuitos online (por exemplo, um livro de referência sobre determinada matéria escrito por estudantes ou por estudantes em colaboração com Professores).

Em súmula, os REA transformarão potencialmente as instituições de aprendizagem, a prática do ensino e os processos de aprendizagem e criação de conhecimento. Os REAs vão facilitar a transformação educacional de duas maneiras. Por um lado, serão integrados em práticas educacionais pré-existentes, onde a adopção de novas tecnologias irá levar gradualmente a novas formas de prática de Ensino/Aprendizagem, que poderão ser avaliadas quantitativamente através da análise da sua eficiência. Por outro, os REA também permitirão agilizar qualitativamente novas práticas educativas e novas abordagens na organização da educação e aprendizagem.

4. Riscos

Na sua brilhante conferência de 2008, o Professor Terry Anderson da Universidade de Athabaska e Universidade Aberta do Canadá, referia:
“Os REA ao serem abertos por definição, podem ser aumentados, padronizados, agregados e fundidos, reformatados, reutilizados e devolvidos à origem. No entanto necessitam de ser licenciados, pois não basta colocá-los online”. Como referido por Jan Hylén no Relatório da OCDE de 2007: “without cost, it does not follow that it also means without conditions”.
Por outro lado, outro aspecto que se relaciona com o anterior é o dos Direitos de Autor e de Propriedade Intelectual relativamente aos diversos materiais que são disponibilizados nos REAs e que depois poderão ser trabalhados por outrem, sem se saber bem por vezes onde é que começa e acaba o direito de propriedade (ou se ele existe) de cada um em relação aos diferentes conteúdos. Na verdade, isto passará por uma abertura de espírito que ainda hoje não é vulgar encontrar em muitas sociedades, incluindo a Portuguesa.
Outro fenómeno que pode emergir aqui, como noutros movimentos com base computacional, é o de mais uma vez os países e instituições anglo-saxónicas predominarem em relação às outras áreas culturais do Globo. Isto acontece não só porque a maioria dos conteúdos abertos têm origem nos EUA, Canadá, GB, Austrália, etc., mas obviamente também os seus consumidores/utentes também, pois estima-se que 36% de utentes do OCW do MIT sejam norte-americanos. Apesar de tudo, o custo do acesso a estas novas tecnologias e á Internet diminuiu e a conexão entre as pessoas aumentou, pelo que este risco num futuro próximo poderá ser mais equilibrado a favor de outras culturas, nomeadamente as de raiz latina.
Finalmente, outro fenómeno que pelos vistos já está a ocorrer, é que muitos profissionais ligados ao ensino que têm acesso e usam REAs, deixam de ter comportamentos cooperativos e de partilha dos seus próprios conteúdos com outros colegas, para além de deixarem de fazer a sua reutilização e de os criarem em colaboração com outros.

5. Desafios mais significativos

A possibilidade de ver e partilhar conhecimento, de ver o que os outros estão a utilizar e partilhar o que estão a aprender é uma visão muito avançada, e porque não dizê-lo, arrojada, do que se pretende do Ensino/Aprendizagem no futuro, que é já hoje. Estes sistemas também permitem antever o que poderá ser o futuro em termos financeiros da Educação com componentes a Distância, tanto mais que os REA permitem introduzir qualidade e excelência na educação, mas reduzindo os seus custos.
Segundo Terry Anderson: “um bom sistema de educação favorece todos aqueles que pretendem partilhar o que sabem, na procura daqueles que querem aprender”!
Um aspecto chave que alguns produtores e/ou mentores de REA defendem é que os resultados e o sucesso destes recursos dependem muito dos dois factores básicos de qualquer processo de Ensino/Aprendizagem: o Professor e o Aluno.
Em relação ao primeiro dependerá muito da sua atitude para com a filosofia dos REA, assumindo uma atitude aberta e cooperativa para com os alunos e colegas, bem como do seu empenho em manter conteúdos regularmente disponíveis neste tipo de recurso.
Relativamente aos alunos, constituem um aspecto decisivo nos REA, pois devem ser envolvidos ao máximo em trabalhos com estes recursos, para poderem tirar o máximo de proveito para a sua valorização e até de emoção e satisfação pessoal/grupal de poderem participar na construção de um conhecimento, como por exemplo na construção de uma página da wikipédia sobre um determinado tema. Isto advém do facto de o mais importante não serem os conteúdos em si, mas a possibilidade de os estudantes poderem interagir melhor com a instituição através dos conteúdos, da discussão com os colegas e com os Professores, o que torna a criação de conhecimento muito vivida, experimentada e exponencial.

Por outro lado, quando falamos de REA como wikis ou até blogues, o número de erros que aparecem nestes comparativamente aos métodos clássicos de divulgação de conhecimento é idêntico, a diferença é que nos recursos tecnológicos podem ser corrigidos mais rapidamente enquanto nos clássicos essa correcção demora, regra geral, anos!
Além disso, a utilização desses recursos pressiona mais quem os produz, assim como quem os critica, tornando-se os primeiros os líderes de opinião e os segundos os adicionadores ou críticos exclusivos, funcionando reactivamente. Ou seja, nestes meios de publicação e difusão de conhecimento sente-se a discussão e o debate, sendo por excelência um sistema mais criativo (porque todos nós criamos coisas de forma diferente) e democrático (com mais intervenção e com maior grau de liberdade) de construção de conhecimento, do que o sistema clássico mais associado a livros e revistas em papel, passando cada vez mais a iniciativa a pertencer a indivíduos, do que às próprias instituições (embora estas continuem a constituir o núcleo duro dos REA e OCW mais formais e reconhecidos internacionalmente).
Em suma, estes meios estão mesmo a transformar o Ensino/Aprendizagem (e o curso FIEL01 tem permitido abrir estes horizontes!), precisamente por serem mais abertos, logo mais participados, independentemente da localização geográfica, das habilitações literárias e do estrato económico a que o seu utilizador pertença, o que poderá reduzir o fosso entre as zonas mais ricas e as mais desfavorecidas no que respeita ao acesso ao conhecimento. Em simultâneo, criam mais inovação, novos espaços de discussão e novas oportunidades.
Um dos últimos conceitos em relação a estes meios de educação é que partiram de uma situação com origem num produtor para um consumidor e hoje em dia este transformou-se num “produtilizador” (“from production to produsage”).
Estes recursos permitirão uma visibilidade de conteúdos que pode tornar exponencial o número de pessoas que a eles têm acesso, podendo numa primeira fase existir apenas num ambiente online, mas a posteriori poderão até dar origem a material impresso e coexistir perfeitamente. Isto é tanto mais verdade que muitas vezes a pressão para publicar acontece principalmente devido ao elevado número de downloads gratuitos que tornam mais visível determinadas matérias, como acontece hoje em dia com blogs ou wikis, sendo cada vez mais frequente o aparecimento de sites que incentivam os técnicos a publicar por si próprios os seus materiais online, como por exemplo o http://www.lulu.com/publish/?cid=en_tab_publish .
Na área da literatura médica há um site com um livro em formato PDF Bernd Sebastian Kamps (2005) Free Medical Information. Doctor = Publisher. Flying Publisher, 95 pp.
(http://www.freemedicalinformation.com/freemedicalinformation.pdf).
Este livro explica este tipo de metodologia e paralelamente a esta iniciativa, apareceram outros sites como os Free Medical Journals, http://www.amedeochallenge.org/ac/fp.htm e o free Books for Doctors, www.freebooks4doctors.com .
Um desafio que perpassa por tudo o que foi referido até ao momento tem a ver com a manutenção do interesse das instituições que já os possuem e incentivo para a sua criação por aquelas que não os possuem. Todavia, isto só será possível com apoios do Estado (nas Universidades Públicas) e de privados (mecenas a título individual ou institucional), não só para suportar os custos, mas para fazer face à partilha de conhecimento e know-how com concorrentes directos no mercado do Ensino Superior (nomeadamente as Universidades Privadas).
Em conclusão, este novo modo de Ensino/Aprendizagem pode mudar radicalmente o modo como o conhecimento é utilizado, permitindo em última análise o seu maior aprofundamento, partilha e difusão.

1 comentário:

  1. Olá Luis
    Já há muito que não via citar Ivan Illich. Foi uma das referências nos meus anos de estudante universitário.
    Infelizmente, como a muitas outras coisas, a ideologia da globalização selvagem atirou-o para o sótão das velharias...

    Obrigado pela lembrança.

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